7 dias no tibet


Kathmandu, Nepal, 18 de outubro de 2011

Passamos uma semana no Tibet e conhecemos um admirável mundo novo. Mesmo com toda a repressão chinesa, Lhasa mantém sua áurea espiritual e vibrante digna da capital do budismo. Uma cultura ímpar, repleta de simbologias e tradições. Uma cidade linda, pela localização e pelos templos. E uma História conturbada pela ameaçadora presença da vizinha China. O Tibet é um destino único que começamos a contar nesse post.

Na praça principal de Lhasa
Com o Potala Palace ao fundo

A questão do Tibet

Primeiro, é preciso dizer que é difícil definir até onde vai o Tibet. É mais fácil dizer onde já deixou de ser China. A cultura tibetana, incluído aí pessoas de mesma origem, mesma língua (embora com inúmeros dialetos distintos), mesmo alfabeto, mesmas crenças etc., abrange a atual Região Autônoma do Tibet, outras áreas da China, o Butão e partes do Nepal e da Índia.

Em amarelo, a atual Região Autônoma do Tibet. As outras cores representam áreas que fazem parte do chamado “Tibet histórico”.

Segundo, não é de hoje que o Tibet luta pra retomar sua independência. Desde o século XVII que seu território é cobiçado pela China. Entre 1913 e 1950, o exército chinês foi expulso e o país gozou de uma breve liberdade, embora não tenha recebido reconhecimento internacional. Então, o governo de Mao Tsé-tung invadiu novamente o País e após uma violenta guerra em 1959 o atual Dalai Lama (o líder espiritual e político dos tibetanos) exilou-se na Índia.

A partir disso, iniciou-se um forte processo de “genocídio cultural”. Templos budistas foram destruídos, monges torturados e assassinados e várias tradições locais sufocadas. Principalmente, durante a terrível Revolução Cultural (1966-76) e após os movimentos pela libertação. Em 2008, esses movimentos aconteceram novamente e ainda hoje a repressão é muito intensa. O que vimos em Lhasa foi o cenário de uma cidade ocupada. Existe uma quantidade absurda de militares chineses em cada esquina, armados pra guerra e prontos pra entrar em ação. Dos monges são exigidos documentos a todo momento, os monastérios têm câmeras de vigilância e há incontáveis check-points espalhados pelas estradas. As escolas tibetanas agora ensinam apenas o mandarim, o governo interfere no processo de escolha dos Lamas e milhões de chineses estão migrando para o Tibet, colonizando o território e enfraquecendo sua cultura.

Os turistas não-chineses agora precisam de uma série de permissões especiais pra visitar o território e só podem fazê-lo em um tour organizado por uma agência. Todo o tempo é preciso estar em companhia de um guia, com hotéis e passagens comprados com antecedência. É proibido por lei fazer turismo independente. Mas, quem realmente sai perdendo com tudo isso, é claro, é o povo tibetano. Historicamente pacífico, sofre por ser privado de sua liberdade e de suas tradições. Com quem conseguimos conversar sobre o assunto, o que pudemos perceber é que têm medo e estão tristes. No momento, não vêem uma saída possível para recuperar sua dignidade.

 

Lhasa – o centro do budismo tibetano

Feitas as considerações sobre a situação política do Tibet, é hora de falar sobre o que Lhasa tem de incrivelmente belo. A cidade se esparrama por um vale cercado por grandes montanhas e é um movimentado centro de peregrinação de budistas. Seus monastérios e palácios também a tornam um ímã de turistas em busca de iluminação ou belezas raras. É a porta de entrada pra explorar o planalto tibetano e também um destino imperdível por si mesma, carregada de cultura, história e lugares extraordinários.

Para qualquer lado que se olhe, lá estão as montanhas.

Nos monastérios existem essas rodas com escrituras; que trazem boa sorte aos peregrinos.

Antes de entrarmos no trem em Beijing que nos deixaria em Lhasa 44 horas depois, conhecemos um simpático trio de brasileiros que embarcaria na mesma jornada. Até pouco tempo, superar as montanhas de mais de 5.000m e atravessar as elevadíssimas terras do Planalto Tibetano parecia ser uma impossível tarefa de engenharia. Porém, a mais alta estrada de ferro do mundo já está em operação e há promessas de estendê-la até o Nepal. Ir de trem, além do óbvio benefício do custo mais baixo, tem outras vantagens em relação ao avião. A vista da janela é saborosa e a mudança de altitude é gradual, o que ajuda um pouco na aclimação. É recomendável não subestimar os efeitos dos primeiros dias acima de 3.500m, que o diga essa turma de brazucas que teve uma adaptação mais complicada que a nossa.

As incríveis paisagens da longa viagem de trem
Chegando a Lhasa, sem nenhum desconforto provocado pela altitude.

O coração de Lhasa é um bairro medieval, tipicamente tibetano (no entorno, proliferam os modernos bairros de imigrantes chineses). É tomado por peregrinos de todos os cantos do Tibet circundando os locais mais sagrados a pé ou prostrando-se sucessivamente em uma forte demonstração de devoção. É onde está também uma feira de rua com um diversificado e bonito artesanato de deixar louca mochileira que não tem como levar nas costas tantas tentações disponíveis.

Peregrinos prostando em frente ao Jokhang Temple.
O artesanato local exposto na feirinha era realmente especial.

Essa feira contorna o Jokhang Temple. A decoração dos monastérios é sempre muito rica e bem detalhada. Quilos de ouro e bom gosto nos altares e pinturas das paredes. A “atmosfera budista” é bem mais intensa do que nos templos da China. Quando visitamos, estava acontecendo uma assembléia de monges que rezavam – meio que cantando – com perucas e chapéus bem característicos num ritmo que quase nos colocava em transe junto com eles.

Com o Jokhang Temple ao fundo
A fachada interior do Jokhang Temple.
A assembléia do monges. O momento alto da visita ao templo.

O Potala Palace é a principal imagem de Lhasa. E não há foto, imagem ou conversa que lhe prepare pra primeira vez que colocar os olhos sobre ele. Em uma única palavra: uau! Nos primeiros momentos, era tudo o que a gente conseguia falar. Poucos palácios podem comparar sua fachada com a imponência e dramaticidade que o Potala oferece. Era a residência do Dalai Lama e a sede do poder espiritual e político do Tibet, mas hoje limita-se a um museu aberto ao público. A relativa simplicidade do interior chega a surpreender, mas não decepciona.

Em frente ao Potala Palace – Uau!
No alto do Potala Palace
A estonteante vista do nosso quarto, o Potala Palace iluminado.

Fomos também ao Sera Monastery e ao Deprung Monastery. Ambos hoje com uma fração dos monges do passado, ficam quase que totalmente abertos à visitação. Os peregrinos pagam um valor de entrada simbólico, mas arrastam-se em longas filas, enquanto os turistas pagam de 50 a 100 vezes mais pra entrar sem atropelos nos templos. Uma vez lá dentro, aplicam-se taxas extras pra quem quer tirar fotos. Por sinal, dinheiro é assunto bem recorrente nesses lugares.

Nos monastérios são arquivadas diversas escrituras budistas.
Os painéis nos monastérios contam histórias sobre os Deuses e a vida.
Os peregrinos deixam dinheiro por todas as partes dos monastérios ou templos .

De tudo, o mais memorável foi acompanhar um debate de monges no Sera Monastery. Uma vigorosa discussão difícil de entender e mais difícil ainda de explicar. Tentando resumir, trata-se de um ou mais monges que placidamente sentados dirigem perguntas filosóficas a outro monge que, de pé, tenta respondê-las de forma bastante expressiva e veemente, quase agressiva. Um daqueles momentos em que temos certeza de que estamos muito longe de casa…

Esse monge sorria meio debochado ao ouvir a reposta à sua (certamente complexa) pergunta.
Além da voz alta e enérgica, os monges batiam as mãos e os pés ao responder.
Estamos longe de casa e perto do topo do mundo. Rumo ao Monte Everest no próximo post!!

20 comentários Adicione o seu

  1. To aqui de volta anos depois! Hahaha vim namorar um pouco mais o Tibet para ver se faco ele virar realidade na minha wish list!! A disponibilidade eh dezembro, mas to com medo do frio!

  2. Mári disse:

    Amigos queridos… hoje li os três últimos posts e claro fiquei maravilhada com tudo. As fotos estão belas. A paisagem do Tibet é realmente estonteante e a história louca … obrigada muitas vezes e mais uma vez pela maravilhosa viagem que tenho vivido junto com vocês. Saudades muito grandes…

    1. Ei, Mari!!! Vc tb anda saracoteando por aí, hein! Adoramos as fotos de Buenos Aires! Saudades mil e obrigada pelo carinho. Beijos!

  3. Iliana disse:

    filhotes, maravilhosooo….mama

    1. Mama, obrigadooo…!
      Filhotes

  4. Hermógenes e Maria do Carmo disse:

    Fazemos nossas e aqui reproduzimos as palavras de Kécia:
    “Parabéns por tudo: pela coragem do empreendimento, pelas descrições fantásticas e principalmente pela alegria, bom humor e cumplicidade de vocês que é sem dúvida, contagiante!
    Desejo muita sorte e que continuem assim felizes para o deleite dos seus fiéis leitores.”
    Beijos

    1. Então, reforçamos nossos agradecimentos! :) Beijos

  5. William disse:

    Simplesmente fantástico!
    felicidades.

    1. Valeu, William! Felicidades pra vc tb!

  6. maria aparecida disse:

    Uffa!!!!! É muita coisa,gente. Cada vez os admiro mais. bjos.

    1. Obrigada, Cida!! Estamos esperando por uma nova musiquinha… :) Beijos

  7. Renato Paiva disse:

    Muito doido… aguardo cenas do proximo capítulo

    1. Estão no ar, Renatão! Abração!

  8. Kécia disse:

    Fred e Leticia!
    Vcs são um casal modelo e estão fazendo a viagem dos sonhos!
    Fico feliz por vcs compartilharem de forma tão genial, capaz de “carregar” o leitor para dentro dessa aventura. É dessa forma que estou me sentindo agora, após encarar uma maratona de leitura dos posts antigos em apenas 2 dias para entender a grandiosidade dessa empreitada e me deliciar tbm com cada episódio.
    Cada post lido me levava imediatamente ao relato seguinte… foi impossível não devorar essa leitura deliciosa do dia a dia de vcs. Babei de vontade de comentar em todos mas me segurei pq a curiosidade falou mais alto e prosseguia a leitura. Fiquei simplesmente viciada no blog!
    Parabéns por tudo: pela coragem do empreendimento, pelas descrições fantásticas e princ. pela alegria, bom humor e cumplicidade de vcs que é sem dúvida, contagiante!
    Desejo muita sorte e que continuem assim felizes para o deleite dos seus fiéis leitores.
    Seguirei acompanhando tudo a partir de agora, e comentando tbm!
    Beijo pra vcs!!
    Kécia
    BH

    1. Kécia, com elogios assim, a gente é que vai ficar “viciado” em seus comentários! Agradecemos muito e ficamos felizes que vc esteja vindo carregada nessa empreitada. Um beijo pra vc!

  9. Amigos viajantes, planejo ira ao Tibet pelo Nepal. Li em seu post que o viajante independente é proibido por lei, sendo então necessário entrar com um grupo. A minha pergunta é se esses grupos são muito caros?
    Abraços

    1. Bruno, é proibido mesmo.
      Inclusive, não perca tempo tirando visto pra China, pois se vc entrar pelo Nepal, ele será cancelado. Vá atrás da permissão pro Tibet primeiro. Pelo que pesquisamos, o lugar mais barato pra comprar esses pacotes é em Kathmandu e vc pode correr atrás disso on-line.
      Nós fechamos com uma empresa chamada Tashi Delek, indicada pelo lonely planet, edição China. Cuidado, pq tem mta empresa picareta. Com essa, foi td certo.
      O preço vai variar conforme sua negociação e se vc vai se juntar a um grupo maior (pra isso, é bom ter flexibilidade com as datas). Se for passar um tempo no Nepal, pense em fechar qdo estiver por lá pq será mais fácil se juntar a um grupo.
      Tb fique ligado no que está incluído (hospedagem, entradas, taxas etc.).
      No geral, em um grupo de 4 ou mais pessoas, uma semana deve ficar entre USD500 e USD700 por pessoa, somente sem alimentação (o q não é caro). Com menos gente, o preço sobe.
      Abraços

  10. Anônimo disse:

    D + !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  11. Anônimo disse:

    CARAMBA !!!!!!!!! Qualquer comentário que eu pudesse fazer seria insignificante (em significado) face ao que voces estão vivenciando. Só me resta enfatizar, o que sei voces estão fazendo, APROVEITEM !!!!!

  12. Rogério disse:

    Também só tenho uma resposta pra este post: UAU!

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